Depois do "serviço público" um "serviço nostálgico"

Se alguém me acusar de estar a "encher chouriços" para fazer tempo é capaz de ter razão. Mas porque não aproveitar este período morto pré-relatos e/ou pré/reportagens fotográficas para, indo ao baú das recordações, trazer pedacinhos da história da CEBE? ainda para mais não é nada agradável abrir-se um blog e encontrá-lo sem actualizações.
Hoje, ao abrir o tal baú (vulgo cd com "cebe" escrito), dei com textos que fizeram parte da exposição aquando das comemorações dos 25 anos da escola, no já longíquo ano de 1999. Achei uma certa graça a um, razão pela qual o resolvi colocar aqui:

HISTÓRIAS, OBJECTOS E HÁBITOS DO QUOTIDIANO

· Bebia-se Larangina C, Sumol… A Coca-cola ainda não tinha chegado a Portugal, tendo sido produto completamente proscrito durante o antigo regime.

· Escrevia-se com canetas bic: Cristal ou Laranja. Todos (os mais velhos) terão na memória a cantilena publicitária: “bic bic, bic, bic, bic, duas escritas à nossa escolha, bic laranja uma escrita fina, bic cristal uma escrita normal, bic laranja, bic cristal, …”.

· Ainda se ouvia mais rádio do que se via televisão. Contudo esta era um objecto muito comum nos lares lisboetas. Era a preto e branco e quando se ligava demorava alguns segundos até surgir a imagem. Precisava aquecer

· Não existiam videos ou leitores de CD’s. Ouvia-se música na “telefonia” (até nas palavras usadas houve mudanças ) ou nosgira-discos”. Os discos eram de vinil em 45 ou 33 rotações (singles ou LP’s).

· Também não existiam atendedores de chamadas ou telemóveis. Os telefones eram normalmente pretos e sempre de disco.

· Na escola não havia fotocopiadora. As reproduções dos textos faziam-se a stencil num papel com um cheiro característico.

· Escreviam-se os textos em máquinas de escrever e utilizava-se papel químico para se fazerem cópias.

· Os computadores eram coisas enormes sendo inimaginável ter um em casa. Especialmente tendo em atenção o tamanho diminuto dos apartamentos típicos dos anos 60/70.

· Quanto a doces a oferta era limitada. A bolacha Maria era rainha, tendo um papel fundamental na alimentação dos bebés: todos eles eram iniciados na papa com uma mistura de bolacha Maria, banana e sumo de laranja (para arrepio dos pediatras actuais). Não havia Corn-Flakes e derivados, as marcas de papas limitavam-se à célebre papa Cérelac (em lata redonda), às caixas de Nestum e à velhinha farinha Maizena. Mastigavam-se pastilhas Pirata e os chocolates eram quase todos da defunta marca Regina.

· Fraldas descartáveis e toalhitas faziam parte de um delírio de imaginação futurista. Sendo os pais de então obrigados a comprar dúzias de fraldas de pano quando se dava o nascimento de uma criança e obrigados a um sem número de lavagens, escaldagens, etc. Um verdadeiro pesadelo

· Todas as crianças tinham a pele hidratada a Creme Nívea, cuja latinha azul e branca serviu de inspiração para o cognome dos carros de polícia de então (que tinham as mesmas cores).

· Nas ruas o número de carros ainda não causava grandes problemas. Os semáforos eram inexistentes sendo substituídos, nos cruzamentos mais importantes, pelos polícias-sinaleiros. Criaturas que transportavam na cabeça um enorme capacete branco e que bracejavam freneticamente em cima de um pequeno palanque, normalmente redondo (hoje as crianças podem ver um exemplo vivo perto do palácio de Belém).

· Auto-estradas era coisa que não existia e as nossas estradas encontravam-se cheias de Morris-mini, Citroen 2Cv, Carochas e outros objectos actualmente de colecção.

· Nesse tempo menos “stressante” a vida começava normalmente ao som de despertadores de corda, grandes e robustos, encimados por uma pequena campainha. Tinham uma vantagem sobre os actuais despertadores electrónicos, as falhas de electricidade não levavam ninguém a chegar atrasado ao emprego. Mas precisavam de corda diária

· Quanto a cigarros: as marcas de cigarros estrangeiras tinham um preço que afastava a generalidade dos fumadores. Ficavam assim pelo produto nacional. Algumas marcas mantêm-se mas outras não passam de recordações: Kart, Sintra, Negritos e as mais curiosas de todas, Definitivos e Provisórios, com cigarros pequeninos normalmente fumados pelos avós.

· Como diversões, a oferta de Lisboa limitava-se à Feira Popular e aos Parques Infantis. As escadas rolantes da estação de metro do Parque também faziam sensação.

· A Companhia Europeia de Viagens publicitava as suas ofertas de viagens no DN em Setembro de 74, os preços eram de outro planeta: Benidorm desde 525$00, 8 dias na Madeira com circuito na ilha, a partir de 2.900$00 e Londres, também 8 dias, a partir de 2.990$00. A Agência Abreu, na mesma altura, oferecia um Cruzeiro ao Brasil, com escalas em Las Palmas, Recife, Salvador, Santos e Rio de Janeiro com preços a partir de 8.970$00.

· A moda era exuberante, roupa justa ao corpo, com algumas influências do Flower Power nas cores muito garridas. As calças “à boca de sino” eram rainhas. Contudo, em Portugal o traje do verdadeiro revolucionário impedia grandes floreados. As referidas calças estavam presentes mas as cores eram muito neutras, e no inverno a indumentária era coberta por casacos pesadões. Os sapatos eram de plataforma.

· As adolescentes vestiam todas saias curtas com meias pelo joelho.

· O cabelo usava-se comprido, francamente despenteado no sexo masculino. Entre os rapazes pequenos começava a ganhar forma o célebre corte “à pagem” que faz as delícias de quem olha para as fotografias antigas dos actuais mocetões.

· Para a barba dos senhores a máquina eléctrica era raríssima e as lâminas descartáveis inexistentes. Eram por isso objectos típicos nas nossas casas os pequenos pacotinhos de lâminas, o sabão e o pincel da barba.

Perto da CEBE:

· Na Estrada de Benfica passavam ainda os eléctricos, os autocarros eram verdes, alguns com dois andares. Não haviam passes e os bilhetes eram vendidos pelo cobrador que se passeava com uma malinha de couro.

· O “Pastelinho” tinha mesas e o “Sr. Ferreira” vendia frangos assados

· Os Pupilos do Exército passavam em parada duas vezes por dia (do dormitório para a escola e vice-versa) ao som de tambores que marcavam o ritmo da marcha.

· Os meninos da CEBE implicavam com os seus vizinhos repetindo até à exaustão o célebre trocadilho “Fernão, mentes ? Minto.”

Coincidências

Em Setembro de 1999 assistiu-se em Portugal a um enorme movimento de solidariedade para com Timor, que se expressou de muitas e originais formas. Curiosamente, em Setembro de 1974, mês que assistiu ao nascimento da CEBE, as parangonas dos jornais destacavam os Acordos de Lusaka e o processo de descolonização. E destacavam também a “semana de solidariedade com o povo chileno “. Dia 11/9/74 marcava o primeiro aniversário do golpe de Pinochet. O povo português saía à rua em manifestações, marchas e assistia a concertos para marcar a revolta contra esse golpe militar. 25 anos depois discute-se o eventual julgamento de Pinochet…

Em Setembro de 1999 trabalhadores de algumas empresas avançaram com a iniciativa de doar um dia de salário para ajudar Timor. Em Setembro de 1974 decorria a campanhaUm dia de salário para ajudar a Nação”.

Ainda a propósito de Timor, a CML decidiu em 1999 cobrir as principais estátuas da cidade com panos negros em sinal de luto pelos mortos no processo do referendo. Em 1974 também se cobriu uma estátua, a de Salazar no Palácio Foz. No dia 28 de Maio de 1974 um grupo de artistas plásticos recorreu a essa acção simbólica para manifestar o seu apoio ao processo revolucionário.

Coincidências

Comentários

  1. Como lembro bem tudo isto.
    Em 74 tinha 13 anitos. Lembro bem, os electricos, a TV a preto e branco, os frangos do Ferreira, meu Deus que frangos. Nada de carvão. Não senhor; eram assados em resistência electrica. Mas havia ainda o Jaime. Senhor Jaime; que no meu tempo andava de bicicleta, a lançar os jornais p'rás varandas. Depois estabeleceu-se, comprou loja, já se vê.
    Havia mais: o parvo dos pombos,que apregoava; a senhora das bolinhas;Já mais antigo,os tipos dos burros, ultrapassados pelas Zundapes de 5, com caixa há frente.
    Outros tempos, nem sempre melhores. Mas são as nossas memórias.... Que fazer...
    Carpem diem.

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